Capítulo 09

ORE COMO UM GOURMET – David Brazzeal

CAPÍTULO 9

ABENÇOAR
Espalhando bondade no seu mundo

“Abençoar-te-ei… e tu serás uma bênção.”
― Gênesis 12:2 (ACRF)

“Uma bênção não é um sentimento ou uma pergunta;
mas sim um invocar gracioso
em que o coração humano
entra em pleito com o coração de Deus.”
― John O’Donohue, To Bless the Space Between Us
[Abençoar o Espaço Entre Nós: Um Livro de Bênçãos] – Tradução livre

Após morar no Brasil por alguns anos e experimentar algumas amizades bem próximas, cheguei à conclusão que havia quatro coisas que jamais faria tão bem quanto os brasileiros, ao ponto de nem tentar fazer:

• Jogar futebol
• Fazer churrasco
• Dançar samba
• Dar uma despedida

Por mias maravilhosa que esta lista seja, a última habilidade foi a que mais me tocou. Meus amigos brasileiros sabiam genuinamente como abençoar alguém, e eu não. Foi só eu anunciar uma viagem prolongada que eu faria que tive a oportunidade de experimentar pessoalmente uma das coisas mais bonitas do mundo—vários amigos e até vizinhos (alguns que eu nem sabia que me conheciam tão bem) olhavam bem nos meus olhos, colocavam suas mãos em meus ombros, me balançavam um pouco pra adicionar efeito e então prosseguiam falando pra mim uma longa e fervente bênção. E nem eram todos pessoas “religiosas”!

Suas falas eram mais ou menos assim:

Que sua viagem seja segura,
Que esse tempo fora seja abençoado,
Que sua família passe bem de saúde,
Que vocês curtam comidas deliciosas,
Que vocês sejam cheios de felicidade.

A esta altura, se o amigo trazendo a bênção “se empolgar”, a bênção facilmente se transformava em algo de duração pra vida toda.

Que seus dias sejam longos e cheios,
Que sua vida seja cheia de paz,
Que suas filhas tenham sucesso,
Que suas filhas te deem muitos netos, Que…

Então eles se tocavam que eu só estaria distante por alguns meses e aí chegavam no final…

E que você tenha um agradável e seguro retorno pra nossa vizinhança.

Por último, havia uma última chacoalhada nos ombros, seguido de um grande e entusiasmado abraço.

Linguisticamente, essas falas foram um desfile de verbos no subjuntivo. Se você falar uma língua de origem latina, você descobrirá que o tempo subjuntivo soa muito mais eloqüente e poético do que nosso equivalente em inglês.

Quando tive o privilégio de estar recebendo uma dessas super-bênçãos, eu simplesmente ficava ali sem me mexer, em total receptividade, fazendo um download e instalando tudo, como se estivesse atualizando todo meu sistema emocional. Eu queria tudo de tudo que tinham pra me dar. Mas durante uma típica “chuva de bênçãos”, eu invariavelmente tinha alguns pensamentos passando por minha cabeça:

• Eu não tenho a mínima ideia de como retribuir isto! Sou “deficiente em abençoar”. Mas, peraí, onde fui criado, minha família e amigos não faziam isso. Simplesmente não tinha isso lá. Meu pai nunca pegou nos meus ombros e me abençoou. Nem minha mãe. Nem um amigo próximo, muito menos um vizinho.

• Há algo muito significativo e uma lição de humildade em simplesmente receber e não ter nada comparavelmente eloquente para dizer em retorno—só um fraco e inadequado “Obrigado” no final.

• Muito embora não tivesse nada para oferecer em retorno, vim a entender que havia algo beneficialmente recíproco acontecendo com as pessoas que estavam me abençoando. Por alguns minutos, eles deram uma pausa em suas vidas egocêntricas, deram prioridade a outro ser humano e expressaram suas esperanças pela paz e bem- estar do próximo. Assim fazendo, eles viveram a vida num nível mais alto, mesmo que por apenas alguns momentos. Sempre me parecia que era o Reino de Deus.

Uma década mais tarde comecei a ler livros de espiritualidade celta. The Celtic Way of Evangelism [O Jeito Celta de Evangelizar]1 e How the Irish Saved Civilization [Como os Irlandeses Salvaram a Civilização]2 foram dois dos livros que, com frequência, eu tirava de minha mochila no metrô em Montreal durante minhas viagens pela cidade. Trazia também outros livros que continham antigas orações e bênçãos celtas. Eles me tocaram tão profundamente que escrevi músicas pra muitos deles. Eram “pé- no-chão”, textos da terra, maravilhosamente novos pra mim, embora muito antigos.

Em 2006, fui pro Festival Greenbelt na Inglaterra pela primeira vez. Greenbelt é um evento maravilhoso de três dias em que mais de 20 mil pessoas se reúnem para focarem em três de meus temas favoritos: arte, fé e justiça. Após ler uma rápida descrição dos vários eventos e palestrantes, Sanan e eu juntamente com minha filha Jacki decidimos dar uma conferida num cara chamado John O’Donohue, dizendo: —Se ele não for interessante, vamos ver outra coisa. O teólogo/poeta irlandês começou sua fala recitando uma de suas bênçãos intitulada “Beannacht” (uma palavra galesa que significa “bênção”). Continuando sua fala, aquilo se tornou um desses momentos em que olhamos uns pros outros boquiabertos, silenciosamente tentando nos comunicar, dizendo que aquilo que estávamos ouvindo era, de fato, especial. Nem imaginávamos que aquele poeta místico, extremamente talentoso e profundamente espiritual, (que tinha minha idade, à propósito) partiria deste mundo alguns meses depois.

Nos anos seguintes, após nos mudarmos para Paris, eu ouvia vez após vez o podcast daquela palestra e, em especial, a bênção de abertura de John O’Donohue. Fui tão tocado por isso que a ponderei, analisei e comecei a escrever minhas próprias versões de bênção, pegando a estrutura poética dela emprestada. Enquanto esperava por amigos no aeroporto ou por alguém que nos visitaria e desfrutaria da arte exposta na galeria onde eu trabalhava, comecei a desenvolver um gosto (e mais tarde um baita apetite) por criar bênçãos bem-elaboradas.

Bênçãos se tornaram um prato recente no meu menu de possibilidades de oração. Talvez sejam algo tão refinado quanto trufas ou lagosta—não necessariamente algo pra se fazer todos os dias, mas uma maneira maravilhosa de ocasionalmente tratar, de forma especial, os outros e a si mesmo.

Então, como começamos a abençoar pessoas? Creio que a melhor maneira seja ouvindo o próprio John O’Donohue. Aqui vai um pouco de motivação da introdução de seu livro To Bless the Space Between Us: A Book of Blessings [Abençoar o Espaço Entre Nós: Um Livro de Bênçãos]

Nos desertos secos do pós-modernismo, uma bênção pode ser como a descoberta de um poço novo. Seria muito bom se nós conseguíssemos redescobrir nosso poder de abençoarmos uns aos outros. Creio que cada um de nós pode abençoar. Quando uma benção é lançada, ela muda a atmosfera. Um pouco de plenitude flui pra dentro de nossos corações, vindos da vizinhança da bondade e do amor. À luz e reverência da bênção, uma pessoa ou situação se torna iluminada de uma forma completamente nova. Num muro morto, uma janela nova se abre, na densa escuridão, uma vereda se acende, e dentro de um coração aflito, a cura vem como o orvalho da manhã. É irônico que vivamos como mendigos, embora nossa herança no espírito seja tão vasta. A quietude eterna que habita em nossas almas é silenciosa e sutil; quando abençoamos ela emerge para nos abraçar e nutrir. Aprendamos como abençoar uns aos outros. Quando você abençoa, uma bênção retorna pra você3 (Tradução Livre do Original em Inglês)

Eis aqui algumas fórmulas para vários gêneros de bênçãos (ao praticá-las, que muitas bênçãos retornem pra você também):

BENEDICTUS: Pense num amigo—visualize ele ou ela—agora pronuncie em voz alta a palavra latina “benedictus” (ou pode dizer “bênção” ou “os abençôo” ou “que sejam abençoados.”) Considere a rede de amizades que você compartilha com essa pessoa. Desta rede escolha outro amigo—visualize esta pessoa—e pronuncie sua bênção sobre ele ou ela. Permita-se passar por um desfile doido e aleatório de associação de amigos em sua mente e a cada um libere uma palavra de bênção.

DEFININDO FOCO: Leve algum tempo para focar em apenas uma pessoa que você queira abençoar. Imagine ele ou ela em vários cenários bonitos que representem um lugar de bem-estar e alegria. Por exemplo:

• Em pé numa cachoeira tropical, com os olhos fechados e braços abertos, recebendo tudo que aquela cachoeira tem pra oferecer.
• No topo de uma montanha quando um único raio de sol atravessa as nuvens e brilha sobre eles.
• Sentado na areia de uma praia calma, com onda após onda molhando-os. Variação 1: Desenhe seu/sua(s) amig/ao(s) num desses cenários.

Variação 2: Passe alguns minutos e mande uma carta ou e-mail de encorajamento ou apreciação. (Inclua o desenho se quiser.)

CRIE UMA BÊNÇÃO: Tente escrever uma bênção para alguém. A forma é bem singular. É poética no sentido de que é rica em metáforas e figuras, mas sem seguir à risca o ritmo prescrito de poesia. Muitas ou todas as linhas podem começar com “Que…” ou se você quiser empregar uma ideia de versos, tipo: “Quando…tal coisa acontece— Que… isso aconteça.” Permita-se algum tempo para criar um belo trabalho de arte. Pode levar dias. Uma bênção pode ser para uma pessoa ou ocasião específica. Pode também ser genérica no sentido que ela fala da condição humana em geral com a qual cada um de nós é confrontado e lida na vida.

BÊNÇÃOS CLÁSSICAS: Ao visionar um amigo que você quiser abençoar, estique suas mãos assim como já deve ter visto seu pastor ou padre fazer no final da reunião. Leia uma das bênçãos clássicas da Bíblia: Números 6:24-26, Romanos 15:13, II Coríntios 13:14, Gálatas 6: 18, I Tessalonicenses 5:23, II Tessalonicenses 3:16, Hebreus 13:20, ou adapte uma bênção de um livro de orações ou de outras fontes litúrgicas à mão. Fique à vontade para adaptar e expandir sobre qualquer bênção clássica.

EMBARALHE SUA BÊNÇÃO: Num papel em branco, comece com palavras como “abençoar”, “bênção”, “benedictus” ou ainda melhor, o nome de um amigo. Brinque à vontade, embaralhando e adicionando palavras de coisas boas e positivas que você queira incluir em sua bênção para esta pessoa.

CIRCULAR: Imagine a pessoa que queira abençoar de pé no meio da sua sala com olhos fechados e braços abertos para receber sua bênção. Ande ou até dance ao redor dela, circulando-a com palavras de encorajamento e bênção.

UMA BAITA BÊNÇÃO: Gosto de escrever o nome de um amigo com letras enormes. No espaço dentro das letras, eu desenho símbolos ou escrevo palavras e frases de bênção que eu quero incluir. É legal fazer isso em lápis, canetas ou tintas de várias cores. Se o que você achar o resultado bonito, pense em enviar ao seu amigo.

Dentro do “J”: Que a alegria de Deus lhe dê risos em abundância Dentro do “e”: ciente do amor dentro e fora
Dentro do “n”: Abençoada sejas que vens na paz
Dentro do 2o “n”: Sabedoria / alegria / coragem

Dentro do “a”: Abençoada seja a esquisitice dos pensamentos que lhe pertencem BÊNÇÃOS IRLANDESAS: Você provavelmente já viu esta bênção irlandesa clássica numa plaquinha na casa de alguém:

Que o caminho seja brando a teus pés,
Que o vento sopre leve em teus ombros.
Que o sol brilhe cálido sobre tua face,
Que as chuvas caiam serenas em teus campos. E até que eu de novo te veja,
Que Deus te guarde na palma de sua mão.

Há muito mais bênçãos irlandesas por aí se fizer uma pesquisa rápida na internet. Pegue-as e use-as enquanto tece a prática de abençoar em suas orações. Você notará que as bênçãos irlandesas são bem simples e práticas, geralmente inspiradas em elementos da natureza. Permita-se ser inspirado a escrever as suas próprias.

1 George G. Hunter III, The Celtic Way of Evangelism: How Christianity Can Reach the West…AGAIN [O Jeito Celta de Evangelizar: Como a Cristandade pode Alcançar o Oeste… NOVAMENTE] (Nashville: Abington Press)
2 Thomas Cahill, How the Irish Saved Civilization: The Untold Story of Ireland’s Heroic Role from the Fall of Rome
to Rise of Medieval Europe [Como os Irlandeses Salvaram a Civilização: A História Não Contada do Papel Heróico da Irlanda desde a Queda de Roma ao Ápice da Europa Medieval
] (Anchor Books 1996)
3 John O’Donohue, To Bless the Space Between Us: A Book of Blessings [Abençoar o Espaço Entre Nós: Um Livro de Bênçãos] (New York: Doubleday 2008), xv