Um Conto de Natal Brasileiro

Por David Brazzeal

English version can be found here.

O pastor grisalho limpa o suor de sua testa. “Em resumo: manteremos as coisas do mesmo jeito do ano passado, ‘tá bom? A programação de Natal será́ na véspera do Natal às 20h, as crianças farão sua programação, o coral poderá́ cantar algumas músicas e as senhoras devem trazer comida para nossa Ceia de Natal juntos em congregação.”

Mário tentava esconder sua inquietação com o plano do pastor fingindo que estava com calor, enquanto, ao mesmo tempo, ajustava sua altura à cadeira nada confortável. Todavia, não era nada disso; sua inquietação vinha lá́ de dentro dele.

“Concordamos? Tudo certinho?” O pastor esperou por uma improvável objeção e expressou sua alegria com um, “Ótimo! Então isso conclui nossa reunião de planejamento pro Natal. Muito obrigado por terem vindo.”

Mário queria discordar ou dizer algo, mas o quê? Ele não tinha nada para adicionar, nada a sugerir, somente… bem, talvez aquele jeito rebelde do seu passado que ele achava, há muito tempo, ter vencido. Ele ficou em seu assento enquanto os outros dobravam suas cadeiras e as colocavam de volta contra a parede. Todos eles rapidamente saíram do pequeno prédio de blocos de concreto, ansiosos para fugir do calor sufocante da sala sem ventilação naquela tarde de verão. Ninguém percebeu que Mário foi deixado só́, no meio daquela, agora, escura sala.

Mário nasceu em Moçambique. Ele nunca falava de seu passado difícil, mas por causa de seu sotaque português diferenciado, a maioria dos brasileiros sabia que ele era de outro lugar. Havia algumas falas em que ele se aperfeiçoou a fim de explicar como havia vindo pro Brasil. Do jeito que ele contava, arrumou emprego quando adolescente africano num navio mercante. Quando o navio vagarosamente passou pelo Pão de Açúcar e entrava no porto do Rio de Janeiro… Neste momento, Mário fez um movimento, como que varrendo o céu, com seu longo braço negro a fim de recriar a encantadora cena que via do navio. Então, ele tipicamente terminava a história pontuando que foi naquele momento que ele soube que ESTE era o lugar pra deixar o navio e começar vida nova. Esta frase era sempre seguida de uma gargalhada contagiante e, talvez, uma tapinha nas costas de quem o ouvia, o que parecia desarmá-los de sondar mais sobre a história não contada. A verdade é, que ao invés de um navio mercante carregado de bens comerciais cruzando o Atlântico, era na verdade um navio pirata moderno que por anos carregava alguns dos assassinos mais barra pesada do Atlântico Sul.

Mas isso foi tempos atrás. Ele havia iniciado uma nova vida, uma vida completamente diferente aqui no Rio. Ele, agora, era um homem de família feliz e casado, pau pra toda obra quando o assunto era trabalho, e até mesmo um líder na igreja. Apesar disso, ele não se sentia bem em discordar do pastor numa reunião, especialmente quando ele não sabia o porquê.

Enquanto estava sentado apertando suas mãos grossas, seus braços sobre os joelhos e vendo diretamente pela janela o brilho de uma lâmpada com o brilho fraco. Ela estava pendurada por dois fios de gambiarra e mal servia como luz de rua para os transeuntes lá́ fora. Sim, parecia ser sua objeção à reunião – eles haviam, mais uma vez, planejado um culto de Natal para os poucos fieis da Igreja, com cânticos de natal, comida deliciosa e crianças vestidas de pastores e anjos, mas nada paras pessoas de fora que, desesperadamente, mais precisavam.

Quando aquele sentimento familiar de “talvez ano que vem” chegou, ele dobrou sua cadeira e a colocou gentilmente junto das outras, contra a parede. Fechou, então, a janela e caminhou até a porta, trancou-a e subiu o morro escuro.

Sua esposa, Sônia, percebeu que algo o perturbava no minuto em que ele entrou em sua humilde casa. Mas, não era algo incomum. Este imigrante sem qualificações sempre andava preocupado: por não ter trabalho suficiente, não ser pago na data, não conseguir prover o sustento da família, não conseguir tirá-los daquela perigosa favela, só́ pra mencionar alguns problemas. Mesmo assim conseguiu colocar isso de lado, mais uma vez, a fim de aproveitar a noite em casa com sua família.

Seu filho de dez anos, Leandro, repentinamente e com alegria corre até a mesa com seu primeiro cartão de Natal, todo orgulhoso de si por ter conseguido lê-lo. Patrícia, sua filha de oito anos, seguia-o tentando ver a imagem no cartão. Não um particularmente belo, só́ uma impressão antiga de um trenó na neve cercado de abetos – um cenário não comum pra quem é de países do Hemisfério-Sul, que celebram o Natal durante o verão, que relutantemente adotaram estas imagens de neve, parcialmente devido ao predomínio global ou talvez por falta de uma tradição mais condizente. Pelo menos, isso é o que Mário pensava. Por isso que, todo ano, Mário se recusava a decorar um pinheiro, mas sim uma palmeira ou bananeira. Ele se tornou perito em adaptar as luzes e a coleção familiar de ornamentos feitos à mão às folhagens maiores. Ao seu próprio modo, ele queria fazer o natal mais brasileiro, pelo menos pra sua família.

Quando Mário abriu o cartão, seus olhos começaram a lacrimejar ao ler uma versão de um famoso poema de um amigo. Para ele, todos os poemas, histórias e canções de Natal sobre um pobre que deu ao menino Jesus a única coisa que possuía, sempre tocaram seu ponto fraco. Ele envolveu seus grandes braços em volta de seus filhos e deu a ambos um grande abraço, enquanto tentava esconder as lagrimas que agora rolavam pelo seu rosto. Ele anunciou a seus filhos que eles poderiam ajudá-lo esta noite a limpar o chão da igreja. Era uma tarefa que eles achavam mais divertida do que trabalho. Eles estavam orgulhosos de que seu pai agora servia como zelador da igreja. Ele havia aceitado o trabalho em parte pelo desejo de ajudar, mas sempre podia usar o trocado extra que recebia semanalmente.

Mário acordou na manhã seguinte, percebendo que sua sensação de cansaço não era apenas por esfregar o chão da igreja com as crianças subindo em suas costas, na noite anterior. Ele teve a impressão persistente de um sonho que o perturbava, mas como a maioria dos sonhos, era ilusório. Não era um sonho sombrio, mas cheio de luz. Isso o lembrou de estar sentado em silêncio na igreja, no dia anterior e olhando para a lâmpada solitária. A luz do sonho, por outro lado, era muito mais brilhante e parecia se espalhar de uma forma como a lâmpada não podia. Não sendo capaz de reconstituir o sonho, ele o tirou da mente e se preparou para mais um dia de trabalho… ou esperando encontrar algum trabalho.

Sua manhã produziu suas decepções de hábito: sua oferta para uma pintura de casa foi ridicularizada por ser muito alta, o trabalho de ladrilhos que ele acabara de terminar ainda não havia sido pago e o trabalho de telhado que iria sustentá-lo até dezembro foi cancelado. A única esperança da manhã foi passar por um jovem casal com um bebê recém-nascido, saindo da pequena clinica no sopé́ da colina. Ele não os conhecia e não estava com vontade de conhecê-los, não querendo afogar a alegria deles com sua negatividade. Evidentemente, eles tinham acabado de se mudar. Afinal, as pessoas vão e vêm o tempo todo neste lugar típico das favelas cariocas. Aqueles com mais sorte conseguiam sair de lá, mas este não era o caso desta jovem família. Mário estava subindo o morro na mesma direção deles. Ele estava logo atrás deles enquanto eles lutavam para subir os degraus íngremes e irregulares na pior parte da subida… observando a mãe cuidadosamente equilibrar seu bebê em seus braços enquanto ela tropeçava. Então, mais tarde, ver o casebre em que a família entrou, quase o fez sentir-se mal do estômago. Por quanto tempo esse bebê seria capaz de sobreviver à sujeira, aos roedores, às goteiras no telhado, aos tiros perdidos dessa vizinhança? Mário continuou seu caminho e tentou, sem sucesso, apagar a cena de sua mente.

Algum tempo depois, naquela tarde, Mário voltou para a igreja para instalar um par de ventiladores de teto antigos que alguém havia doado. Faltando alguns dos conectores pendurados que ele teria que recriar, ele começou a substituir algumas lâmpadas queimadas. Neste momento, o pastor entrou e os dois homens trocaram amabilidades típicas. O pastor o lembrou de levar a escada para fora e substituir as lâmpadas lá fora também. Mário se viu olhando novamente para a lâmpada fraca do lado de fora da janela, enquanto dobrava a escada.

“Mário? Está me ouvindo?” Perguntou o Pastor. “Então, aqui tenho algumas lâmpadas que comprei lá pra fora”, explicou o pastor, “Precisamos colocá-las para funcionar antes do programa de Natal, você não acha?”

Mário quebrou seu olhar e olhou para as lâmpadas. “Claro, mas são de 40 watts cada? Não emitem muita luz, só́ isso.”

“Bem, não queremos desperdiçar dinheiro para iluminar o lado de fora da igreja, não é? Eu sempre coloco as lâmpadas mais fortes dentro de onde nosso povo está. Tenho certeza de que você concorda.”

Mário continuou seu olhar sem responder.

“Mário? Você está bem?”

Quebrando o transe, Mário finalmente encontrou coragem para discordar respeitosamente desse homem e disse calmamente: “O negócio é o seguinte, pastor. Temos que de alguma forma pegar a luz que está dentro desta igreja e espalhá-la por todo o morro”. Ele lentamente levantou a escada, enquanto seus olhos traíam a ideia oculta que se formava em sua mente. “Pastor, eu sei que tivemos a reunião de planejamento de Natal ontem à noite, mas, uh… tem que ser como no ano passado?”

“Bem, eu acho que não, mas nós concordamos nessa parte. Além disso, o que mais nós… quero dizer, você tem uma ideia melhor? O zelador da igreja disse confiante e lentamente: “Sim. Tenho!”

A voz se acelerou instantaneamente enquanto ele dava dicas de sua ideia: “Vamos ver. Ainda precisaremos do coral para cantar o melhor e por mais tempo que puder. As pessoas ainda podem trazer comida, mas precisaremos de 10 a 20 vezes mais”.

“O que… Do que você está falando? O pastor desabafou. “Você tá doido?”

“Olha, pastor, o senhor vai ter que confiar em mim sobre isso. Pessoas que também saibam usar um martelo – também são necessárias. Ah… e velas, latas, tintas, plantas e… vamos precisar de tudo o que conseguirmos!” Felizmente, o pastor percebeu que Mário era uma pessoa confiável e se ele tivesse alguma ideia maluca para a véspera de Natal, pelo menos, sabia que conseguiria. Então, sem pensar duas vezes, ele decidiu arriscar seguir o direcionamento de Mário e tentar explicar aos outros na igreja o que nem ele mesmo entendia.

Nos dias seguintes, Mário foi visto correndo para todas as lojas onde tinha sido cliente fiel nos últimos 10 anos. Ele se viu usando a mesma frase repetidamente – “Olha, apenas confie em mim”, enquanto pedia aos lojistas que doassem material, tinta, comida, flores, dependendo da natureza da loja. Ele ficou realmente surpreso com a resposta. Como seu truque final para fechar cada negócio, ele dizia a eles que, se não gostassem dos resultados, ele pagaria pessoalmente pela mercadoria. Claro, ele pontuou a frase com sua risada alta que usou para encobrir outra de suas pequenas mentiras.

A tarefa ainda mais difícil pela frente era convencer os fiéis na igreja, e até mesmo sua própria esposa, de que não estava louco. Foi difícil manter o elemento surpresa e, ao mesmo tempo, explicar aos vários grupos participantes da igreja para se prepararem. Repetidamente, ele implorava: “Olha, apenas confie em mim!” mas as pessoas da igreja não gostam de ser deixadas no escuro. Estão sempre perguntando quando começa uma reunião, como devem se vestir e qual a ordem da programação.

Além de tudo isso, havia medições e cálculos a serem feitos. A maior parte disso tinha de ser feita secretamente à noite, uma tarefa muito perigosa em uma favela controlada por traficantes. Uma noite, no alto do morro, deparou-se surpreendentemente com Carlinhos, o “chefe” de todos eles. Ele tinha apenas 19 anos, mas era considerado o homem mais poderoso do morro, e não por sua compaixão e cooperação com os moradores. Mário sentiu uma sensação incomum de persuasão calma enquanto explicava qual era seu plano.

Mário se comunicava apaixonadamente enquanto o chefe do tráfico ouvia sem qualquer emoção. Logo ficou claro para Mário, porém, que havia uma força muito mais poderosa presente quando o adolescente simplesmente acenou com a cabeça em aprovação.

Finalmente, chegou o dia 24. Mário mal conseguiu dormir na noite anterior. Estava mais animado que os filhos ao abrir os presentes de Natal. Ainda ontem ele havia lembrado todas as lojas para entregarem suas doações no sopé́ do morro da favela naquela manhã. Durante toda a manhã, ele e uma enorme equipe de vizinhos descarregaram, organizaram e entregaram os materiais. A comida foi para a cozinha da igreja, onde um grupo de vizinhos estava cozinhando tudo o que conseguiam com os suprimentos aleatórios de comida. Os materiais de construção foram transportados morro acima e empilhados ao lado da padaria. As plantas e a tinta foram depositadas ao lado da fruteira. Quase todo mundo na favela tinha ouvido falar que Mário estava coletando latas e velas. Sendo assim, os recipientes que ele havia colocado no início da semana estavam cheios e transbordando.

Ao fundo, distante, ouvia-se o coral ensaiando na igreja. O número de coralistas mais que dobrou depois que Mário os encorajou a convidar seus vizinhos que adoravam cantar. Seu repertório também dobrou, graças a alguns adolescentes que produziram uma pasta simples, mas elegante, com todas as músicas de Natal que puderam imaginar. Os cheiros familiares de alho e feijão preto fervendo começaram a flutuar sobre o morro. A comida estava sendo feita fora da cozinha da igreja, e em muitas casas vizinhas.

Mais de uma vez, Mário fez uma pausa de espanto. Tanta gente trabalhando tão duro para um evento do qual sabia tão pouco. Ele também encorajou todos a tirar uma soneca à tarde, se pudessem, avisando que o trabalho real viria mais tarde, naquela noite.

À medida que o pôr do sol se aproximava, ele instruiu alguns dos adolescentes da igreja, juntamente com seus amigos, a colocarem um pouco de cera no fundo das latas e colocar as velas na vertical. Em seguida, ele colocou algumas das latas com cuidado, a cerca de um metro de distância em ambos os lados do caminho e, em seguida, com um movimento ascendente de braços, indicou que seguissem o padrão até o topo da favela. “Quando chegarem lá,” instruiu Mário, “avisem-me e eu lhes mostrarei a etapa final do caminho. Até lá́, estaremos prontos para acendê-las.” As crianças entusiasmadas assumiram a enorme tarefa e rapidamente recrutaram amigos para ajudar.

Mário continuou a organizar pequenos grupos em torno de várias outras tarefas como: limpar o lixo das valas, consertar degraus quebrados ao longo da subida e espalhar a notícia de que todos deveriam usar vermelho e verde naquela noite.

O evento realmente não havia começado “oficialmente”. Havia muita coisa acontecendo com muitas pessoas envolvidas em diversos lugares para colocar tudo em uma cerimônia de abertura. Naturalmente, começou quando ficou escuro o suficiente para as velas serem vistas. Os acendedores de velas começaram sua tarefa na base do morro acompanhados pelo coral que avançava solenemente com cada vela recém-acesa. À medida que o caminho da luz se espalhava pelas curvas e reviravoltas de sua favela normalmente sombria, as notícias se espalhavam pelo morro, ainda mais rápido. Logo, uma enorme multidão de curiosos apareceu de todas as direções, ansiosos para darem lugar aos acendedores de velas, ao coral e aos homens ainda carregando materiais nos ombros. Muitos observadores, depois de avaliarem a atividade sem precedentes, ajudaram.

Enquanto isso, no topo do morro, Mário mostrava o destino final do caminho das velas e, portanto, revelava todo o plano para seu “Culto” na véspera de Natal. O caminho terminava na porta do barraco onde a nova família com o bebê, os Souza, acabava de se mudar. Formou-se um círculo de fiéis perplexos e Mário foi para o centro e tentou acalmar a conversa. “Como vocês sabem…” Mário gritou tentando de silenciar a multidão. Ele recomeçou assim que teve a atenção de todos. Era o momento que ele vinha ensaiando em sua mente nas últimas duas semanas. “Como todos sabem… esta noite é véspera de Natal. É a noite em que celebramos o nascimento de um bebê que trouxe luz ao nosso mundo e às nossas vidas e até à minha própria vida.” Ele fez uma pausa percebendo que estava fazendo algo que não estava acostumado, mas continuou. “Naquela primeira véspera de Natal, os anjos invadiram a escuridão de alguns pobres pastores com uma luz brilhante, cantando.” Mário parou novamente, virando-se para ver toda a extensão da multidão de espectadores. Ele avistou Patrícia e Leandro que vieram correndo e agarraram as duas pernas dele. Mário podia ver o orgulho em seus rostos, deixando-o ainda mais ansioso para continuar. “Veja, Deus escolheu aquelas pessoas simples… pessoas muito parecidas conosco aqui… para serem as primeiras a saber sobre o nascimento de seu filho, Jesus. Eles foram ver o bebê e, sem dúvida, levaram alguns presentes para dar a eles. O bebê nasceu no que, provavelmente, era apenas uma velha cabana de madeira como este. Como eu disse, os presentes eram simples. Talvez um cajado de pastor ou algumas flores ou talvez apenas alguns petiscos. Talvez alguns deles tenham cantado uma música para ele, quem sabe?” Mário riu e não pôde deixar de notar como ele se conectou com a multidão. Ele continuou. “Então, em vez de nosso culto normal dentro de nossa igreja, pensei em tentar algo mais parecido com a primeira véspera de Natal. Esta noite, pelo menos nesta noite do ano, queremos trazer luz para a escuridão… para a escuridão deste morro onde todos vivemos.” Algumas pessoas aplaudiram. “E para pelo menos uma família, vamos trazer alguns presentes simples. O dom da luz, o dom de cantar, o dom das belas flores e o dom da comida deliciosa!” Quando Mário chegou a esse “crescendo”, todos aplaudiram e gritaram enquanto a jovem família olhava para o chão envergonhada. Quando o júbilo temporário acalmou, Mário continuou: “E de alguma forma expressar nossa gratidão a um bebê de muito tempo atrás que ainda traz luz e paz para nossas vidas. Queremos dar a este outro bebê recém-nascido e seus pais o presente de…” Mário fez uma pausa e lutou para conter as lágrimas… “O presente de… um NOVO… LAR.”

A multidão, confusa a princípio, se entreolhava, incapaz de entender o que acabara de ouvir. Um por um, eles começaram a deixar a ficha cair e perceber o que estava prestes a acontecer. Nesse momento, um dos homens levantou um martelo no ar e gritou: “Então, vamos trabalhar!”

Mário levantou os braços interrompendo-o e explicou: “Sim! Sim, está certo! José entendeu! Hoje à noite, vamos derrubar e reconstruir completamente a casa dos Souza. Fiz todos os cálculos e todo o material necessário está aqui. Só́ preciso de muita ajuda!” Vários homens ficaram agitados na expectativa do ambicioso projeto. “Agora, enquanto trabalhamos, o coral vai cantar a noite toda para cima e para baixo neste morro. E essa comida com cheiro tão gostoso… bem, vamos primeiro servir uma deliciosa ceia de Natal para a família Souza e depois para todos vocês.” Um aplauso subiu da multidão. Mário lutou para continuar: “Então, andem, revezem-se, ajudem uns aos outros, trabalhem em turnos, mas façam o que for preciso para manter o trabalho, as velas acesas, o coral cantando e a comida fluindo A NOITE TODA… INTEIRA!”

O povo irrompeu em gritos e aplausos ritmados. Alguém começou a liderar a multidão cantando Cantai que o Salvador Chegou, já que muitos compartilharam sua pasta de música com aqueles dispostos a cantar com eles. Escadas eram colocadas contra a cabana de madeira em preparação para o desmantelamento do telhado.

Bem, tudo aconteceu, praticamente, como Mário havia planejado. A casa de madeira em ruínas dos Souza foi substituída por uma casa simples de blocos de cimento. Foi pintada de azul e recebeu um telhado tradicional de telhas de cerâmica. Arbustos foram plantados do lado de fora. Plantas floridas foram colocadas em vasos, e rosas enfeitavam a mesa no interior. A encosta foi limpa e os arbustos extras foram plantados ao longo do caminho da encosta.

No dia seguinte, Mário era um homem muito cansado, mas muito feliz! No domingo seguinte, a pequena igreja estava transbordando de pessoas querendo fazer parte dessa luz e desse amor que viram tão genuinamente expressos alguns dias antes. O primeiro deles, claro, foram os Souza com o bebê Josué.

Os anos seguintes viram a expansão da igrejinha e sua influência na comunidade, bem como a continuação dessa maravilhosa tradição natalina que um simples homem africano começou. Ao longo dos anos, foram construídas casas de véspera de Natal para uma senhora de 90 anos, uma família com 2 filhos com deficiência mental, um deficiente auditivo e vários outros recém-nascidos. Outras igrejinhas de outras favelas adotaram a ideia também. Pessoas de todo o Rio adquiriram o hábito de trabalhar nas favelas iluminadas por velas como seu culto de véspera de Natal.

*****

Já se passaram 15 anos desde aquele primeiro evento. Este ano, no entanto, está destinado a ser muito diferente. Mário, infelizmente, não poderá liderar a construção da nova casa. Logo após o projeto de dezembro passado, ele desenvolveu uma doença incapacitante. Ao longo do ano piorou, ficando preso a uma cadeira de rodas e incapaz de falar com clareza. Leandro e sua esposa, no entanto, estão mais do que prontos para intensificar e continuar a tradição. Mas, pelo primeiro ano da história, não haverá segredo sobre quem será agraciado com a nova casa. Por causa da extensa cobertura televisiva do próximo evento, todos no Brasil saberão.

Escrito por David Brazzeal

Traduzido por Luiz Ferreira

Revisado por Zelinda Carnio

Arte por Kim Kailing